Debate em 30/out/2011

Este debate teve início a partir da discussão da idéia, surgida da nossa já estabelecida árvore do conhecimento, de criação de uma árvore da denúncia. Alguns debatedores se mostraram contrários à iniciativa, por considerá-la muito ligada à luta contra a corrupção e à crítica aos nossos governantes – movimento já cooptado por setores conservadores com voz em publicações como a revista Veja – e não ao questionamento do sistema representativo em si, um dos eixos da nossa proposta. O viés mais ligado ao denuncismo, amplamente difundido na população já há muitas gerações, só tem levado à esperança de que algum dia a classe política adquira uma consciência de que deve trabalhar para a maioria e não para interesses particulares de alguns poucos. Esta conscientização, a partir da pressão popular, seria supostamente suficiente para promover uma mudança no país sem a necessidade de se adotar uma forma completamente nova de sistema de decisão.

Foi ponderado no entanto, que esta esperança não cabe mais e se revelou, em todo o mundo, como uma grande ilusão. Mesmo nos países em que a população já atingiu níveis elevados de educação e mobilização, seu poder de fazer valer interesses próprios e autônomos é minúsculo diante de governantes que se alinham prioritariamente aos interesses das grandes corporações e deles próprios – atendendo eventualmente a demandas populares apenas no limite minimamente necessário para se manter no poder. Exemplos recentes na Grécia, Itália, Espanha, França e EUA mostram que a democracia representativa não é o modelo político capaz de atender às necessidades da maioria da população como se presumia em sua concepção. Até mesmo nestes países, mais desenvolvidos, o comparecimento maciço da população nas ruas tem sido completamente inútil para mudar uma decisão irredutível de seus governantes para lidar com a crise atual: a que direciona dinheiro de impostos e de cortes de salários e serviços da população para cobrir os prejuízos dos grandes bancos.

Em resposta, e ainda defendendo que a denúncia da corrupção deveria ter destaque nos programas do movimento, insistiu-se que a proposta de abolição do sistema representativo e sua substituição pela democracia real estaria ainda num plano idealizado, muito distante das possibilidades atuais. Esta reflexão fez com que o grupo passasse a discutir então, como será possível realizar uma transição entre estes modelos políticos que permita iniciar a implantação da democracia real no curto e médio prazos.

Antes porém, foi ponderado por alguns dos debatedores que as possibilidades de mudança gradual do sistema, em direção ao que é almejado pelo nosso movimento, teriam grande dificuldade e resistência por parte dos atuais políticos e empresários para serem implantadas. Sendo assim, uma possibilidade levantada como a mais viável em debates anteriores no acampamento é a de que o conjunto de mudanças deva ser implantado de forma radical, revolucionário e cujo meio para concretizar-se seria o da desobediência civil.

Mesmo diante desta ressalva, passou-se a detalhar melhor como seria possível viabilizar a implantação das novas mudanças de forma gradual. Uma das primeiras conclusões foi a de que diante das dificuldades de se implantar o novo modelo em todo o país, com sua grande extensão e diferenças regionais, a possibilidade imediata será promover esta mudança primeiramente em cada município e que caberia ao nosso acampamento concebê-la em Belo Horizonte. Por esta proposta, os grandes temas de interesse do nosso município serão objeto de assembléias populares e plebiscitos rotineiros, que compreendam grandes temas de interesse da cidade, com destaque especial para a definição do orçamento reservado a cada área. Também devem ser feitas em assembléia as definições de prioridade entre os diversos projetos e necessidades do município, respeitando o limite de recursos disponíveis para ralizá-los: quer se refiram a transporte público, construção de viadutos,  desapropriação de terrenos para dar lugar a projetos habitacionais, etc. Em relação aos bairros, caberia a eles, por exemplo, decidir pela verticalização ou não dos mesmos, em referência às polêmicas envolvendo a verticalização da Pampulha.

Com a ressalva de que a população não tem como se manifestar a cada pequena decisão a ser tomada na condução das políticas públicas do município, foi proposta que as atividades parlamentar e do poder executivo serão mantidas, mas apenas como coadjuvantes, decidindo apenas temas menos relevantes e nunca desalinhados ou em conflito com as decisões tomadas pelas assembléias populares.

Surgiu neste momento uma questão importante referente à disponibilidade concreta de tempo da população para se ocupar de debates e decisões sobre temas de interesse geral, já que o trabalho monopoliza a vida de todos. Concluiu-se que não há como progredir muito nesse quesito sem tocar na questão da diminuição das jornadas de trabalho.

Cogitou-se estabelecer cargas de trabalho vinculados à produtividade dos empregados e não a horários fixos de entrada e saída no emprego. No entanto, deliberou-se que a relação empregado-patrão segue o princípio de que “a riqueza é produzida coletivamente mas apropriada individualmente”, com o consequente problema de acarretar a exploração sempre crescente da mais-valia dos trabalhadores, reflexão originalmente empreendida por Karl Marx, um crítico do sistema capitalista. Logo, seriam grandes os riscos de que o patrão estabelecesse exigências de produtividade cada vez maiores que, ao contrário de diminuir, aumentariam o tempo de trabalho necessário de seus empregados.

Uma segunda proposta previu que o projeto de horizontalização das decisões não pode se restringir apenas ao plano político, mas deve ser incorporado também às formas cotidianas de trabalho. Neste caso, o patrão, proprietário ou sócio dos empreendimentos, assim como os políticos, darão lugar aos próprios trabalhadores no que se refere às tomadas de decisão que envolvam o negócio, compatibilizando as necessidades de aumento ou não da produção, com a intenção dos trabalhadores de se dedicar mais ou menos ao trabalho na empresa e liberarem tempo para atividades outras como a participação nos debates e assembléias populares. Trata-se de um tipo de trabalho já bastante conhecido e presente em alguns setores produtivos e de serviços: as cooperativas. Até o presente, este tipo de negócio não tem conseguido muito espaço para concorrer com as grandes corporações, uma vez que o relacionamento estreito destas corporações com a classe política-representativa tem garantido seu acesso quase exclusivo aos recursos públicos disponíveis para financiamento de negócios, com a conseqüente escassez deste financiamento para as iniciativas cooperativistas. Logo, a substituição da democracia representativa pela direta permitiria à população decidir pela priorização do apoio público aos negócios cooperados e não às grandes corporações.

Ressaltou-se, entretanto, que o modelo de trabalho cooperado não pode ser confundido de nenhuma forma com o modelo que se implantou nos países comunistas como a China, que sob o pretexto de produzir em benefício da coletividade, obriga os trabalhadores a rotinas de trabalho próximas à escravidão.

Permaneceu porém ainda por discutir se, na realidade de trabalho de cada debatedor que participa do movimento, há ou não a viabilidade de funcionamento de um sistema cooperativo, que dispense a necessidade de patrões ou que possa subsituí-los por gestores que respondam não a um dono, mas ao conjunto dos funcionários.

Uma deliberação também importante tomada durante a assembléia foi a de que os temas e conclusões debatidas ao longo da acampada devem ser reunidos e disponibilizados no nosso blog(ocupabh.com). Uma vez sistematizados, os pontos levantados deverão dar origem a um novo manifesto a ser formatado e divulgado no futuro a partir dos trabalhos de discussão ocorridos no movimento.

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