Diário da Ocupação 32o. Dia

Peço licença, e desculpas antecipadas se incomodar alguém, em escrever o diário hoje na primeira pessoa. Mas ocorreu algo hoje que se não fosse escrito assim, soaria muito falso.
A madrugada de ontem para hoje poderia perfeitamente ser um capítulo do poema épico “Odisséia”. A Chuva castigou nosso acampamento na madrugada, a intensidade e o volume da água nos obrigaram a escoar, constantemente, com as nossas vassouras a água acumulada. A chuva formava enormes ” barrigas d’agua” na nossa lona de proteção, nos forçando o tempo todo desfazer desse ” sobrepeso” para que a lona não rasgasse. Com poucas barracas secas e ao meio de diversas goteiras organizamos a ronda e torcíamos para a chuva parar.
Na manhã seguinte acordei exausto, o dia cinza anunciava uma provável chuva. Temia até onde nossa estrutura aguentaria e principalmente se teria força para aguentar mais uma aguaceira com o baixo quórum dos últimos dois dias chuvosos. Assim que levantei fui ao banheiro da Assembléia, com muitas dúvidas sobre o futuro do acampamento, subi as escadas lentamente analisando se as nuvens cinzas eram um prenúncio de chuva, até que fui abordado por uma funcionária da Assembléia: ” Você é do acampamento, não é? Hoje ás 08:30 teremos a visita de estudantes de Contagem. Você não quer falar sobre o movimento para eles?” Não hesitei nem por um instante e assim que as crianças chegaram a funcionária me apresentou para a turma. A ideia do acampamento foi passada, as crianças ouviam atentas e demonstraram um conhecimento prévio sobre democracia impressionante. Um par de olhos brilhava mais do que os demais nesta turma, um menino com um bloco de anotações na mão demonstrava um entusiasmo pelo assunto, fazia perguntas: ” Tem quantos dias que vocês estão acampados?”. E colocações também: ” Eu vi a reportagem sobre a ocupação nos Estados Unidos, é interessante esse movimento porque está ocorrendo no mundo todo”. Assim que terminei minhas palavras as crianças foram conduzidas a conhecer o interior da Assembléia, então fui caminhando em direção ao acampamento quando sinto alguém puxar minha blusa. Ao me virar vejo que é o menino dos olhos brilhantes:
- Moço, quer dizer que omissão é permissão?- eu tinha encerrado com essa frase.
- Sim rapazinho! Omissão, ou seja, se você não faz nada quando algo te incomoda, te prejudica e você fica parado na frente da televisão, você está permitindo que isso esteja acontecendo. Por isso eu disse que omissão é permissão.
- Ah, tá. Omissão é permissão- repetiu a frase enquanto anotava no seu bloquinho de anotação- Olha, quando eu crescer, quero fazer igual a você, tentar mudar o mundo- assim que terminou a frase voltou correndo para não se perder da turma.
As mesmas escadas que eu antes tinha subido com tanta dúvida, desânimo e cansaço, agora eu descia totalmente recarregado. Como não reunir forças e esperanças depois disso? Me lembrei na hora de Hakim Bey quando ele enfatiza a importância de fazer algo que a criança guarde na memória para sempre.
Infelizmente eu tinha que sair para trabalhar, mas assim que compri minha obrigação na condição de escravo do sistema, voltei para o acampamento, lá pelas 18 horas. As nuvens cinzas da manhã deram o lugar para um céu azul e um sol gostoso, ainda notado graças ao horário de verão. O acampamento estava todo reestrturado, barracas secas, mobílias mudadas de lugar, barrancadas construídas para escoar a água para longe do acampamento. E o mais importante: muitas pessoas, caras novas inclusive, com disposição e humor para ajudar o acampamento. O clima estava totalmente diferente, sorrisos, viola, conversas, debates. E a certeza que transformamos a desorganização, a dúvida e o cansaço em esperança.

Debate: Democracia e cultura

Amigos,

Na quinta-feira próxima, após a ssembléia, começaremos alguns debates que serão organizados três vezes por semana com a organização de algumas pessoas por tema. O próximo e primeiro debate será amanhã, quinta-feira, às 21:00. Peço que venha e participe. Aproveite e veja a lista de necessidades e traga alguma coisa se puder.

Debate: Democracia e cultura
Hora: 21:00
Local: Pça da Assembléia / OcupaBH

Isso é o que acontece quando se tenta despejar uma ideia

Na manhã desta terça-feira, Occupy Wall Street havia sido despejada pela força policial de Nova York. Das mais de 100 barracas, nenhuma restava no parque vazio.

Menos de 24 horas depois, no mesmo local, o “microfone humano” de 1.500 pessoas reunidas em Assembleia Geral anunciava a retomada do parque Zuccotti, renomeado Liberty Square:

“Eles nos mostraram o seu poder. Agora, nós estamos mostrando o nosso”.

Você não pode despejar uma ideia que chegou para ficar.

15N

Nunca duvide que um grupo pequeno de pessoas determinadas pode mudar o mundo, porque é assim que sempre acontece. Não duvide que de uma única flor pode brotar toda a Primavera, porque foi assim que aconteceu: um jovem árabe ateou fogo a si mesmo e de sua morte nasceu a Revolução de Jasmin, os jovens árabes que se reuniram na Praça Tahir e derrubaram um ditador inspiraram os espanhóis a tomar a praça Puerta del Sol com sua indignação. O Sol dos indignados, de tão intenso, brilhou até no lugar mais escuro: o centro financeiro dos Estados Unidos, Wall Street, de onde os 99% de americanos emitiram um chamado: derrubem os muros, ocupem as ruas.

No dia 15 de outubro de 2011 as praças foram tomadas, as ruas foram ocupadas. Aqui, muito perto de você, existe uma Assembleia, uma praça, e uma ocupação. Muita gente que só fica em casa, em frente ao computador e à televisão, ainda não sabe, porque a revolução não será televisionada. Nem tweetada, nem compartilhada pelo Facebook: a revolução está na praça, e ela só pode ser vivida.

Nós gritamos para os parasitas instalados naquela outra Assembleia, aqui em frente: Não nos representam. Nós queremos não uma República de fachada, proclamada por generais em 15 de novembro, queremos Democracia, real, horizontal, participativa, inclusiva. E não estamos há um mês na praça jogando essas palavras ao vento: aqui e nas outras ocupações do mundo nós vivemos diariamente estes princípios, enfrentamos no cotidiano as dificuldades de manter uma comunidade sem lideranças ou hierarquia, de trabalhar com uma inteligência coletiva e adotar a solidariedade no lugar do individualismo. Esse desafio gera desgaste, cansaço, há conflitos e frustração. Mas, acima de tudo, há nos corações de cada um a certeza de que a mudança chegou, e a felicidade de estarmos vivendo este momento.

E queremos essa felicidade e completude para todas as pessoas lá fora que ainda acreditam que estão sozinhas em meio à multidão: nossas mãos estão estendidas.

15 de outubro não é uma data, um protesto, um acampamento, uma ocupação: é todo um mundo novo que já começou.

15 de novembro, algumas semanas, um mês. Para nós, o tempo de uma vida.

Parabéns,

#OcupaBH

OcupaSampa

OcupaRio

OcupaSalvador

OcupaCampinas

Democracia e realidade

Na nossa longa lista de dificuldades, a verticalidade desponta no topo.

Mas será que este é um problema que só vem de cima para baixo? Vivemos em uma cultura patriarcal, assistencialista, autoritária. Estamos acostumados a esperar sentados que o governo tome todas as decisões e resolva todas as pendências, votamos de dois em dois anos e lavamos as mãos.

O Brasil não tem nem nunca teve uma cultura política – no real sentido da expressão, que passa longe da representatividade. Não nos ensinaram a nos unir para ajustarmos as divergências e tomarmos um curso de ação.

E quando, enfim, agimos, juntos, e ocupamos a praça, a descrença de cada um no seu próprio poder, como indivíduo e cidadão, e a falta de instrução política que nos impede de atingir mecanismos democráticos funcionais, leva a um vácuo de poder e a uma busca por líderes.

Na Praça da Assembleia, já amadurecemos a ideia de consenso, mas ainda engatinhamos para a realidade de uma democracia.

O mundo está mudando muito rápido e paira sobre nós uma urgência de resultados. Mas como vamos agir, se está tão evidente que antes é preciso unir e educar?

debate 11/nov/11

Nesta sexta-feira o grupo reunido em assembléia sentiu a necessidade de canalizar melhor nossos esforços no sentido de construir conhecimento e sistematiza-lo. Entendemos que a preocupação de trazer as pessoas para o movimento e tão importante quanto a de fazer deste movimento um local de discussão e produção de idéias e práticas concretas. Concluímos que devemos estipular temas de discussão por tempo determinado, a serem debatidos cotidianamente na acampada e que, a cada debate, um dos participantes deve se responsabilizar pela sistematização do que foi falado e redigir um documento contendo as conclusões e questões relevantes que foram colocadas. Para isso, será muito importante a participação de um mediador e de um relator em cada reunião.

O primeiro tema que passa a ser objeto de deliberação será a leitura de cada ponto presente atualmente no manifesto Democracia Real Já  e a consideração de sua aplicabilidade, clareza e coerência.

Diário da Ocupação – 25o. Dia

Após debater o assunto quase que o dia inteiro na nossa ocupação, pedimos licença para usar nosso diário para falar sobre a Ocupação dos alunos da USP.
Quando assistimos a maciça e frenética participação da imprensa (Globo e Grupo Abril) , que teve exclusividade na cobertura da desocupação, feita com brutalidade, pelo batalhão de choque, não é de se admirar os comentários que surgem na sociedade. ” Bande de desordeiros” ou ” esses maconheiros não merecem estudar de graça”, frases assim espalham boca a boca numa impressionante velocidade e num tom de patriotismo ufanista: ” Quem vai salvar a juventude do Brasil?”. Ao ver a população assimilar essa opinião, as outras emissoras, para não perderem audiência, também enxertaram suas críticas aos alunos da USP. Comentários pesados apelando para os valores morais da nação. Por fim, a maior forma de comunicação entre os jovens, o Facebook, está bombardeada de postagens que assustam pela semelhança com discursos fascistas de outros tempos. Para estas pessoas que estão se deliciando com a brutalidade da polícia, uma lembrancinha: cuidado, o próximo a apanhar da PM pode ser você. É hilário a tentativa de fazer heróica a atuação da polícia, helicópteros, rapel, número desproporcional de policiais( muitos sem a identificação) em relação aos ocupantes. Se trata de estudantes desarmados sem conhecimento algum de estratégia militar. Tentar fazer da desocupação um ato heróico da polícia é subestimar a inteligência do cidadão. É impressionante como as formas de manipulação da mídia não mudam. Primeiro tentam generalizar e rotular os manifestantes: ” Riquinhos, rebeldes sem causa que querem apenas fumar amconha”. Segundo porque distorcem o verdadeiro sentido das ocupação. Hoje o Brasil inteiro acredita que os estudantes se rebelaram porque querem fumar maconha sem serem incomodados. Então vamos analisar a história desde o começo. O reitor Grandino Rodas, indicado pelo ex-governador José Serra, é criticado por sua gestão autoritária, marcada pela absoluta falta de transparência, ausência de diálogo e aparelhamento da estrutura da universidade por setores reacionários. Os protestos já existiam, antes da intervenção da polícia, contra o Reitor, que aproveitou a situação da morte do estudante de Ciências Contábeis para justificar a atuação da polícia dentro do Campus da USP. Instalando assim uma política fascista que tomou força ultimamente na sociedade brasileira, na tentativa de abafar os protestos. Não devemos esquecer a simbologia que é a polícia voltar para as universidades, seria um regresso para a conquista da autonomia univresitária na época da ditadura. Por mais neurótico que pareça é cada vez mais presente a repressão via exército ou polícia. O professor de História da USP Henrique Carneiro nos lembra, “a PM no Brasil é um entulho autoritário do período da ditadura militar, é uma polícia militarizada com foros privilegiados que se constitui na força policial mais violenta do mundo.” No próprio site da polícia, não existe o pudor do orgulho da sua atuação como órgão de repressão política na época da ditadura.
Realmente o estopim de tudo foi a prisão de três estudantes que estavam fumando maconha. Mas somente isso seria capaz de ser um estopim para uma revolta tão grande? “A política de guerra às drogas tem se revelado desde sua origem como artífice para perseguição de determinados setores da sociedade, justificada pelo discurso da segurança e saúde. Na onda da reorganização de setores neofascistas que temos assistido nos últimos tempos, o reforço das práticas e discursos punitivos encontram terreno fértil para se estabelecer. Assiste-se, então, a constituição de um Estado Penal, de um fascismo em trajes democráticos.”
Não podemos relevar que estamos vivenciando ocupações de praças em algumas capitais do Brasil, e a ação truculenta da PM da USP, assim como a atuação da imprensa, é uma forma de intimidar os acampamentos instalados pelas praças do Brasil que exigem uma Democracia Real, e não esta falsa democracia representativa já viciada e que já não atende mais as necessidades da sociedade.

Agenda atualizada de sexta 11.11 e sábado 12.11

SEXTA DIA 11/11/2011

No emblemático dia 11-11-11 em que acontece uma nova chamada global para as ocupações ocorrerá a chegada de diversas pessoas no acampamento para agregar e somar idéias, competências e para dar corpo ao movimento.

16 horas – Apresentação de Dança Contemporânea e Percussão com Nicole e Cris

18 horas – Apresentação Musical com a Gabi

SÁBADO DIA 12/11/2011

14 horas- Debate/Oficina sobre: ” Terrorismo Poético e práticas de intervenção urbanas (Stencil, por exemplo), com o convidado Mosh – (leve seu estilhete e se possível contribua com uma latinha de spray e chapas de raio-x)

16 horas – Espetáculo de Palhaços com a TRUPE GAIA!!! Circo de Rua, oficina de malabares, brincadeiras, palhaços, a magia do circo vai invadir o acampamento.

18 horas – Palestra/Debate sobre História com o tema : ” Clio despedaçada”

19:30 – Exibição do documentário Zeitgeist