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Lembram do Zé do Caixão, aquele das unhas grandes?
Claro que lembra, até hoje ele aparece na TV. Todo mundo conhece a figura, mas alguém se lembra de algum filme dele? Foi sucesso estrondoso e imediato nos anos 60, assim como os Mamonas Assassinas recentemente. Mais do que um artista popular, sua figura já entrou no folclore brasileiro, uma lenda viva apesar do desprezo que os meios de comunicação dispensaram à sua obra cinematográfica. Por que ele foi tão popular?
O gênero Terror vem de uma tradição popular muito antiga. Modernamente, o Terror está relacionado a um tipo de romance chamado "Gótico": gênero literário popular do século XVIII, assimilou o "fantástico" do mundo medieval e estabeleceu padrão e limite ao fantástico medieval, dando- lhe uma "forma" como gênero literário. Nasce junto com o Iluminismo e a racionalidade moderna. Se filia à tradição romântica, ou mesmo alimenta essa tradição, sempre pelo viés popular, em oposição à ilustração erudita e aristocrata.
Distanciando-se, no tempo, das tradições medievais e tendo seu público transformado pela industrialização européia, o Gótico se transforma no gênero policial, com Edgar Allan Poe. Esse novo gênero seguirá a mesma trilha do que lhe deu origem: o sucesso popular excepcional, mas aliado ao racionalismo burguês, que substituí o misticismo medieval - o fantasma assustador é substituindo por um criminoso maluco.
O terror vai ganhar novo fôlego e uma nova forma com Lovrecraft e seu terror cósmico e científico. É essa nova "fórmula" que vai alimentar os filmes de terror (o cinema substitui a literatura), dos 60 e 70. Até então o cinema de terror é muito "gótico" - com seus castelos assombrados, vampiros e vilarejos perdidos, popularizado pelo estilo do cineasta Roger Corman. Esse gênero corre paralelo com a ficção cientifica, uma mistura de terror com tecnologia - gênero só possível de ter nascido nos EUA.
O que vai influenciar o cinema de Zé do Caixão não é o terror ficção científica e sim o gótico. Acontece é que a realidade popular brasileira dos anos 60 está muito mais próxima à realidade do camponês recém desfeudalizado da Europa - ligada ao aparecimento do gótico - do que da realidade urbana-tecnológica do americano médio - ligado ao consumo da ficção cientifica. É esse um dos motivos, se não o principal, do desprezo da "intelectualidade" ao sucesso de Zé do Caixão nos 60: todas as forças políticas queriam atrelar o Brasil ao "país em desenvolvimento" da política norte-americana (o milagre brasileiro), e passar por cima da realidade miserável que sua população vivia. Os filmes de Zé do Caixão refletem essa realidade miserável: cenários paupérrimos, péssimos atores trabalhando a troco de cachaça, cast formado por prostitutas gordas e das mais feias, gente comendo pedaços de cadáveres (profetizando o que ocorreu em Recife, onde mendigos comiam restos de lixo hospitalar, seios cancerosos, pedaços de perna necrossada etc.). A modernização do terror não chegou para Zé do Caixão assim como não chegou para a população brasileira nem o racionalismo burguês do romance policial e nem o desenvolvimentismo tecnológico do terror ficção cientifica. O mundo de Zé do Caixão é muito próximo ao mundo da crendice do camponês europeu desfeudalizado do século XVII. Não é a toa que a taverna da transilvânia é semelhante ao bar que o coveiro Zé do Caixão freqüenta, e ninguém vai ser tolo de afirmar que o bar não é igual a qualquer bar realmente existente. A matéria prima de Zé do Caixão é a mesma do gótico: as crendices populares; a religião popular; o medo do senhor e das hierarquias tradicionais.
Zé do Caixão é a continuidade de uma longa tradição popular, que está na origem da Europa moderna e na origem do Brasil. E pelo jeito não vai mudar tão cedo: esses pastores gritando e ofendendo a Satanás, em meio a donas de casa em estado histérico, parece coisa de filme do Zé do Caixão.
Links em relação:
H. P. Lovercraft
Ficção Científica
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