OS CENTROS DE GRAVAÇÃO A Polícia Federal já nasceu
de um desvio : o interesse dos militares em fortalecer a segurança do Estado e a ordem
social no início do regime autoritário (64-85). Assim, enquanto durou o regime militar,
os chefes da PF foram escolhidos entre membros da caserna. Somente no início da
re-democratização é que um civil assumiu o posto (Tuma), inaugurando a fase de poderes
paralelos na instituição.
Desde o início de sua gestão, Tuma
foi visto em setores militares como um parceiro ideal. A harmonia com o extinto SNI
(Serviço Nacional de Informações), extinto em 90, já vinha desde o regime militar,
quando Tuma comandava o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da Polícia Civil
de São Paulo.
Nomeado diretor da PF em 85, com o aval de setores
militares, Tuma deslanchou um processo que culminou com a transformação da Divisão de
Repressão a Entorpecentes, baseada em Brasília, em um poder quase independente dentro da
instituição.
O primeiro passo foi dotar a DRE de uma estrutura de
investigação própria. A divisão passou a ter escritórios próprios nos Estados, que
atuavam de forma independente em relação às delegacias de repressão a entorpecentes.
Os escritórios regionais da DRE tinham seus
próprios centros de gravação (salas de onde são feitas escutas telefônicas), montados
com dinheiro da DEA (sigla em inglês da agência norte-americana de combate às drogas).
A autonomia chegou a tal nível que a divisão passou
a descumprir normas da PF que determinam que todas as atividades sigilosas sejam
planejadas e monitoradas por órgãos internos.
Ou seja, a DRE passou a controlar, de Brasília,
operações sigilosas em todo o país sem, muitas vezes, o conhecimento efetivo da
direção da PF ou dos superintendentes regionais. Como símbolo desse poder paralelo, a
DRE passou a adotar um emblema próprio, com o desenho de uma águia.
Por pressão de delegados de outras áreas, depois de
uma década de atuação praticamente independente, a DRE começou a ser enquadrada em 95,
no início da gestão de Chelotti, inclusive com a eliminação paulatina do emblema da
divisão colocado em carros oficiais e impressos.
Um desses delegados contrários à forma de atuação
da DRE era Marcelo Itagiba, que atualmente chefia o setor de repressão a entorpecentes em
São Paulo.
Um ano depois de participar junto com Chelotti, em
94, das discussões para preparação do capítulo sobre segurança pública do programa
"Mãos à Obra", do então candidato a presidente Fernando Henrique Cardoso,
Itagiba recebeu a tarefa de ajudar a desmontar os centros de gravação da DRE e enquadrar
a divisão.
A função lhe valeu uma disputa com o então
recém-nomeado chefe da DRE e apadrinhado de Tuma, Marco Antônio Cavaleiro.
No auge da rixa, Itagiba, que trabalhava no Cl
(Centro de Inteligência), e Cavaleiro tiveram uma discussão na garagem da sede do
Departamento de Polícia Federal, um edifício de vidros escuros no setor de autarquias de
Brasília.
A discussão chegou a ser anotada no livro de
ocorrências do plantão. Resultado: a DRE perdeu seus centros de gravação que
funcionam hoje no Centro de Dados Operacionais, um órgão discretíssimo da PF que atua
em parceria com a CIA (serviço de inteligência do EUA). Mas Cavaleiro continua no
comando da DRE, ainda com bastante autonomia, proporcionada pelo poder de influência de
Tuma na instituição.
Autonomia e força, já que, por
interferência de Tuma, Cavaleiro se livrou de duas tentativas de Chelotti de tirá-lo da
representação da PF no recém-extinto Conselho Federal de Entorpecentes. |