Revista SENHOR, 28 de dezembro de 1983

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POLÍTICA E ECONOMIA

EXCLUSIVO  À REVISTA SENHOR.

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Um espião na sua fábrica

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Histórias e segredos de um rendoso negócio que o Brasil acaba de descobrir: a espionagem industrial.

Fiel Transcrição:

Mário Chimanovitch
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Cuidado, senhores empresários: há um cidadão de alta periculosidade que lhes pode pedir emprego. Ele acaba de ser desmascarado e denunciado à Polícia Federal, em São Paulo, como um dos mais ativos espiões industriais que operam no Pais. Sua especialidade é a obtenção, por meios ilícitos, de segredos industriais que revende a quem puder pagar mais. Seus instrumentos de trabalho são o tráfico de influência, a chantagem e a extorsão, os quais, aliados a uma formação profissional capaz de fazer inveja a qualquer espião de folhetim, colocam-no na posição de ser um dos melhores entre o exército de mais de 15 mil pessoas que se dedicam hoje, no Brasil, as atividades clandestinas de inteligência.

Leônidas Silva Tonico - este e o seu nome verdadeiro - e capitão-tenete da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais. Nasceu em Itajuipe, estado da Bahia, aos 26 de Janeiro de 1940; é casado, e sua cédula de identidade, expedida pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, tem Registro Geral nº 1.435.457. Seu currículo é fascinante: curso superior completo em Filosofia pela Universidade de Brasília; curso da Escola do Serviço Nacional de Informaçôes (ESNI); Curso de Informações de Segurança (Centro de Estudos do Pessoal do Exército); Curso de Operações de Informações, do SNI; Curso de Especialização de Escrita e Fazenda; e Curso de Segurança e Higiene do Trabalho, no Centro Nacional de Aprendizado Comercial .

Seu último trabalho foi como Relações Públicas da Secretel - Serviço de Inteligência Científica Ltda., uma empresa de São Paulo, especializada, por ironia, na prestação de serviços a indústrias e a bancos na prevenção e detecção da espionagem. Na Secretel, Leônidas Silva Tonico apoderava-se de informações e equipamentos que revendia a quadrilhas de grampeadores (escuta clandestina de aparelhos telefônicos) que operam as dezenas no eixo Rio - São Paulo.

O ex-oficial foi desmascarado pelo próprio patrão o engenheiro industrial Georges P. Sellinas, que o denunciou a Polícia Federal. Os órgãos de informação estão agora efetuando um exaustivo levantamento das atividades de Leônidas Silva Tonico por meio de investigações que abrangem, inclusive, o período em que ele se encontrava operando ativamente a serviço da chamada "Comunidade de Informações".

Leônidas Silva Tonico é peça de uma engrenagem que, no Brasil, em larga escala, tem levado inúmeras firmas à falência, e ocasionado prejuízos anuais de milhões de dólares a economia. "Uma informação, um segredo tecnológico, um segredo empresarial ou um segredo profissional podem valer até algumas centenas de milhões", afirma o engenheiro Sellinas. Para ele, a espionagem está crescendo de formas extraordinária no Brasil, atuando em todas as atividades de negócios, sejam industriais, comerciais, de prestação de serviço, de mercado de capitais e imobiliário, ou em qualquer outro campo que produza riquezas e bens.

Alguns exemplos:

• Há pouco tempo uma conhecida fábrica de lingerie preparava o lançamento de um novo e sofisticado modelo de soutien. Nos três dias que antecediam os lançamento oficial, uma concorrente, a preços mais baixos e com grande cobertura publicitária, antecipava-se com o mesmo produto idêntico em todos os detalhes, mas confeccionado com material de qualidade inferior.

• Em São Paulo, desvio de informações e fórmulas levaram um importante laboratório farmacêutico à falência. No Rio, uma empresa do do setor imobiliário quase teve a mesma sorte ao perder 

concorrências para uma companhia rival que apresentava projetos semelhantes aos seus nas licitações, e a orçamento inferior.

• Os escritórios da Massey-Ferguson, em São Paulo, foram invadidos no fim de semana por alguém que se apossou de uma cópia de um projeto secreto da empresa, relativo à implantação de uma nova linha de tratores de esteiras.

• A Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) teve de efetuar mudanças de urgência no seu mais recente avião, o EMB-120 Brasília, um turboélice para 30 lugares, e suspender a divulgação dos estudos sobre os avanços tecnológicos desse projeto, depois de haver descoberto que a SAAB-Firechild, um consórcio sueco-americano, estava desenvolvendo um modelo de aeronave quase que integralmente semelhante ao nacional.

• A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias) perdeu pela diferença de um dia a marca da vacina Rinobacter, contra a rinite suína, desenvolvida em seus laboratórios de pesquisas, para a multinacional Rhodia-Merriex. No dia 4 de julho de 1982, a Embrapa recebia uma comunicação do I.N.P.I. (Instituto Nacional de Patentes Industriais), responsável pelo registro de marcas e patentes, de que não poderia registrar a marca Rinobacter, porque, apenas 24 horas antes, a Rhodia havia protocolado um pedido para mesma designação.

• O empresário Cláudio Barbie, ex-gerente técnico da seção de cosméticos da Rhodia, revelou que uma indústria concorrente descobriu, por meio dos fornecedores de embalagens, todos os novos produtos que a empresa pretendia lançar e ingressava no mercado com similares, sempre em datas coincidentes ou antecipadamente.

• Robin Jones, diretor da firma britânica Thomaz De La Rue no Brasil, confessou a polícia, no Rio, em outubro de 1975, ter enviado um espião para fotografar uma máquina da empresa Cheque Luxo Ltda. O equipamento era único no pais e dava à firma brasileira prioridade na fabricação de formulários contínuos, sem emendas, em talho doce, para computadores.

• O armador brasileiro Paulo Ferraz, da Companhia de Comércio e Navegação (Instaleiro Mauá, no Rio de Janeiro), acusou o estaleiro de reparos Lisnave, multinacional instalada em Lisboa, de roubar um estudo de viabilidade tecnico-econômica, encomendado por sua empresa, para a construção de uma unidade naval de reparos no Brasil.

• A Fiat Lux possuía um projeto para lançar no mercado brasileiro um isqueiro descartável, modelo francês, quando foi surpreendida pelo surgimento de produto similar ao seu, fabricado pela Gilette e pela Bic.

• Em 1975, firmas norte-americanas foram formalmente acusadas de praticar espionagem comercial na zona de produção de cacau na Bahia, a fim de especular com os preços do produto na Bolsa de Nova Iorque.

* Em 1981, na Feira Industrial de Hanôver, na República Federal da Alemanha, espiões investigavam, a noite, o funcionamento do sistema de frenagem automática do aeromóvel de projeto brasileiro, um veiculo revolucionário de transporte coletivo, inventado pelo engenheiro gaúcho Oskar Coester.

Os exemplos somam-se a exaustão. O mais preocupante é que o grande problema do Brasil - dizem os especialistas da área - é ainda a facilidade com que se espiona o Pais. Há duas razões básicas: a falta de recursos para evitar a espionagem e a incredulidade dos empresários brasileiros, que se recusam a crer que estão sendo espionados.

"Há cinco anos", diz o engenheiro Sellinas, "havia pelo menos uns 15 mil espiões industriais infiltrados nas maiores áreas industriais do Pais; hoje, é impossível estimar o número desses profissionais em atividade - e, numa época de crise como a que vivemos, é possível que esse número seja duas vezes maior".

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