Criado novo paradigma para lidar com a corrupção generalizada

Conforme já disse uma das célebres vítimas dos primeiros inquéritos policiais,

Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra.

Traduzindo para o linguajar técnico da atualidade, podemos enunciar que

É possível levantar, para qualquer habitante do planeta, um dossiê comprovando
irregularidades no exercício dos cargos concedidos pela vida.

Sabendo disso, os mais conservadores proporiam a manutenção de dossiês de todos os cidadãos, pois é da natureza dos conservadores se esquecerem que é igualmente possível levantar dossiês contra eles mesmos.

Segundo eles, tais compêndios da infração alheia conteriam desde tentativas intra-uterinas de suicídio com o cordão umbilical até os crimes de lesa-pátria e alta traição, podendo ser permanentemente atualizados pelo jornalismo de gaveta e estando a qualquer momento disponíveis à imprensa com as sempre convenientes acusações de improbidade administrativa.

É natural estendermos a afirmação acima para situações mais abrangentes,

Qualquer auditoria encontrará irregularidades em toda instituição
existente, num nível proporcional ao escrutínio da investigação.

Em outras palavras, toda organização ou confraria está fadada ao suborno e à sonegação, de modo que o país inteiro pode ser autuado por formação de quadrilha. Os observadores internacionais em geral também acabam assimilados por alguma máfia e mesmo os auditores são reféns do fato de se constituírem como indivíduos ou instituições. Por isso, ambas afirmações podem ser unificadas:

A quantidade de irregularidades descobertas numa instituição é proporcional
à chantagem que o auditor sofre através de um dossiê contra si.

Isso significa que qualquer investigação cujo auditor não for chantageado por um dossiê contra si não revelerá irregularidades suficientes ocorridas na instituição auditada.

Essas considerações nos levam a duas linhas diferentes de solução:

  • Solução de curto prazo: reformular as auditoras
  • Solução de longo prazo: um novo paradigma para lidar com a corrupção

O problema, alguns afirmam, está na natureza humana e a solução possível já foi apontada pelo redentor em sua rápida passagem por este mundo.

Os auditores idôneos da RATTUS Technologies acreditam que o erro de todas essas interpretações anteriormente citadas é assumir que a corrupção é condenável e deve ser combatida, trabalho que aliás necessitaria de uma comissão especial, a qual de acordo com as definições acima seria corrupta por natureza e não cumpriria com seu propósito oficial.

Surtos de moralidade frequentemente explodem para condenar uma pequena fração dos delitos cometidos e promovem uma limpeza na consciência da sociedade. Tal moralidade, que sendo corrupta também é falsa, defende a tolerância zero com a humanidade, e caso fosse aplicada corretamente provocaria a quase extinção da nossa espécie, sobrando apenas os algozes para recomeçar todo o ciclo.

Sendo assim, a RATTUS Technologies resolveu de uma só vez levantar um dossiê de milhares de tomos abarcando toda as atividades nacionais. Nossa equipe -- que na impossibilidade de ser incorruptível utilizou métodos de pesquisa heterodoxos -- se infiltrou em todos os estabelecimentos comerciais, em todas as repartições públicas, em todos os gabinetes, em todos os cartórios, em todas as autarquias e em todas as famílias do país para trazer ao cidadão desavisado -- que quis o acaso não estivesse envolvido nesse grande esquemão que é a existência -- um diagnóstico completo da corrupção na pátria amada. Por faltar com a ética e invadir a privacidade alheia, os integrantes da nossa equipe foram os primeiros a serem pesquisados, como prova de sinceridade científica.

A conclusão do maior dossiê realizado desde a edição do ano passado das listas telefônicas foi muito simples: apesar de epidêmica, a corrupção não é democrática. Os favorecimentos diferenciais e a participação nos lucros provenientes de atos ilícitos premia corruptores de forma desigual.

Todos cidadãos e cidadãs que participam ativamente dos rituais cívicos pelo telejornal se sentem passados para trás ao serem deparados toda a noite com mais um escândalo ou caso de impunidade. Sentem-se enganados não por serem honestos, mas por não terem sido convidados a participar, que é a maior característica da corrupção anti-democrática.

A democratização da corrupção beneficiará a todos, inclusive aqueles que hoje não dividem seu quinhão do butim. Não só isso: a verdadeira justiça apenas chegará quando o acesso aos meios escusos for equalitário. Como atesta a sabedoria popular,

Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

Por isso, se todo habitante subtrair e for subtraído, o problema da impunidade estará resolvido. Novamente os moralistas dirão que só será possível obter lucro se o cidadão roubar mais do que for roubado. Esse erro básico de interpretação decorre do fato que entre roubar e ser roubado existe um intervalo de tempo onde é possível ao trabalhador corrupto investir no mercado especulativo. Já a distribuição de renda será uma consequência dos que hoje roubam muito serem mais roubados e dos que hoje roubam pouco roubando mais.

A teia de corrupção formada por esse novo paradigma contribuirá para a mitigação da miséria e falta de esperança presente em todas as comunidades. O jovem de amanhã terá mais uma opção profissional, a burocracia finalmente terá um uso justo e as liberdades civis serão espandidas com o afrouxamento do código penal.

Democratizar a corrupção é fazer justiça social!