Sistema de governo baseado em processos aleatórios

Os despachos presidenciais, os projetos de leis e as dotações orçamentárias a cada dia estão mais atreladas a decisões difícieis, onde a melhor opção não consegue ser vislumbrada nem mesmo pelo juízo dotado das qualidades mais salomônicas. A polarização política em que a sociedade se encontra divide a população no bloco dos a favor e no dos contra, sendo que ambos pressionam as autoridades a materializar suas vontades. Como resolver esse dilema que todos os dias aflige nossos parlamentares, diretores, pais e mestres?

Pensando com nobreza neste enorme desafio, a Caixa Econômica Federal, através das Loterias, encomendou a nossos cientistas políticos o projeto de um novo plebiscito onde será proposta a mudança do regime de governo de democracia representativa indireta para a aleatocracia direta.

O que é a aleatocracia?

A aleatocracia é o regime de governo onde as decisões são confiadas a processos aleatórios, isto é, aqueles onde nem o mais arguto dos cientistas consegue prever o resultado. Uma forma simples de aleatocracia é cotidianamente utilizada pelas Loterias para escolher quem será o felizardo a levar o bolão nacional.

Desenvolvida pela RATTUS Tech após um longo período em que nossos estudiosos alimentaram o computador central com um banco de dados de todas as decisões tomadas pela humanidade -- do dilúvio à chegada na Lua --, a aleatocracia se baseia na suposição de que

O objeto da decisão não interfere no processo decisório.

Fica claro aqui que o único processo decisório que não pode ser interferido por nenhum objeto de decisão é o próprio processo aleatório. Na prática, a aleatocracia será implantada utilizando fontes de aleatoriedade real fornecidas por alguns dos nossos parceiros.

Aleatocracia direta

A aleatocracia direta é o regime aleatocrático que pretende dar ao cidadão a chance de participar do processo decisório. Ela é formada de três etapas, que substituem o atual esquema de Três Poderes:

• Todos os cidadãos e cidadãs podem enviar suas propostas ao governo aleatocrático
• Todas as propostas são enviadas a um grande sorteio aleatório
• As propostas sorteadas são levadas para despacho, onde por um processo aleatório serão decididas

A aleatocracia é a mais justa, pois de todas as formas de governo ela é a mais cega e indiferente a humores e favores. Na aleatocracia, os cargos executivos, legislativos e judiciários são dispensados a favor de cargos puramente operacionais, o que pode ser também uma grande fonte de economia para os cofres públicos.

A iniciativa da Caixa Econômica

Para o cidadão comum que conhece bem o lema do nosso país, a mudança dificilmente será notada nos primeiros meses, já que as atuais decisões quase nunca refletem as humildes ambições do eleitorado. Os benefícios só chegariam a longo prazo, quando a soma de todas as decisões aleatórias tender a produzir um estado de bem-estar social. Foi isso que levou a Caixa a pensar numa mudança tão radical na forma de governar: seus diretores há muito estavam numa grande crise de consciência por produzirem justamente o contrário: beneficiar poucos sortudos em detrimento de uma massa de apostadores da jogatina oficial.

Mesmo essas boas idéias e intenções -- que para os processos aleatórios não são boas nem más -- encontram opositores, e a Caixa foi duramente atacada quando anunciou pela primeira vez suas intenções. Para acalmar todos os seus conterrâneos, eis a carta por ela dirigida àqueles que se sentem ameaçados de perder suas regalias:

Os costumeiros detratores das nossas visões progressistas provavelmente argumentarão que conferir
o poder a processos estocásticos impossibilita a análise de conjuntura que antecede toda a decisão
e impede estabelecimento da estratégia que a sucede. O que esses invejosos não reparam é que nem
mesmo o atual sistema de governo goza de tails faculdades, porque historicamente decisões tomadas
por ele tanto poderiam ser decididas por um lançamento de moeda quanto por bêbados.

Como lutar pela aleatocracia?

Para ser legítima, a aleatocracia deve chegar legitimamente ao poder, e a única forma disso acontecer é com os eleitores escolhendo da forma mais aleatória que lhes for possível qual sistema de governo eles decidirão no dia de comparecer às urnas: a manutenção do sistema onde ninguém chega a ser nem em décimo grau de hierarquia o vice-do-vice-do-vice-presidente ou a possibilidade de uma nova era sem preconceitos, onde a decisão do amanhã jamais dependerá dos erros de ontem e de hoje.

Se você quer mudança, jogue sua decisão nos dados!