A Grande Arte de Sérgio Ricardo
Introdução
 
A História é a construção do passado segundo interesses do presente. Hoje, grande parte dos historiadores dedicam-se à busca das histórias perdidas, e propositadamente, esquecidas em meio à História que fica, a “História oficial”. Na tão festejada música popular, muita coisa foi esquecida e deixada de lado, para que um grupo brilhe como senhor da música popular e da cultura.

Acontecimentos e figuras fundamentais da música popular e da cultura simplesmente desapareceram ; a história das elites busca fundamentar toda a História pela sua própria história, ao mesmo tempo que busca desqualificar ou fazer desaparecer as lutas contra essa elite. Sérgio Ricardo é um desses casos: fundamental para a história da música popular, hoje está propositadamente esquecido e quase nunca é citado. Artista digno e coerente, ainda tem muito a falar e sua obra deve que ser conhecida e difundida.

Sérgio Ricardo é um artista de um tipo que não existe mais, originário de uma cultura pré indústria cultural. Esse múltiplo criador mais se aproxima daqueles antigos homens do Renascimento, que tendo um mundo novo pela frente, trataram de “inventá-lo”, de delinear suas formas e espaços, de construir prédios de idéias onde nada havia. Esses homens, frente a tarefa de criar e conduzir um novo homem e uma civilização, desdobravam-se em todas as atividades, de arquitetos-engenheiros a desenhistas-estilistas, tentando abraçar todo o mundo e todos os talentos, redefinindo o homem e sua cultura.

Para a música popular, Sérgio Ricardo foi como um desses pioneiros - compositor, poeta, cineasta, pianista, violonista, arranjador, cantor, ator e artista plástico. Desbravador e criador, navegou por toda a cultura brasileira desses últimos quarenta anos, criando novos caminhos, orientando e definindo gêneros e movimentos. Saído de uma formação erudita, descobriu a cultura de massas nas noites do RJ. Nela mergulhou, não como um artista deslumbrado com as luzes e promessas dessa indústria de fantasias e ídolos, mas com um espírito crítico e politizado, com uma estética transformadora, para tornar essa linha de produção de diversões uma verdadeira fábrica de cultura e idéias.

Sérgio Ricardo vem da tradição da cultura paulista do interior, atrelada ao cultivo da arte erudita e o respeito as tradições, aspecto marcante também da comunidade sírio libanesa, da qual a família Lutfi fazia parte. João Mansur Lutfi (o nome de batismo, Sérgio Ricardo é o nome artístico ) vai rapaz para o Rio de Janeiro, como funcionário da rádio de um parente e como estudante de piano clássico. No RJ descobre o mundo da produção cultural. Com talento derramando por todos os poros, põe a mão na massa.

Sérgio Ricardo é um artista de seu tempo, o que talvez explique críticas como trabalho “datado”. Mas é exatamente isso que faz de sua uma grande obra: a necessidade de cantar o real, o dia a dia, seu comprometimento com o mundo em que vive, não como observador a distância - como muitos orgulhosamente querem se por - mas o participante ativo, que faz a história com suas próprias mãos e é dono do seu destino. Nada poderia descrever melhor a arte inquieta, estupenda e fundamental de Sérgio Ricardo que ele próprio, na canção Ponto de Partida:
 

PONTO DE PARTIDA

Não tenho para a cabeça
Somente o verso brejeiro
Rimo no chão da senzala
Quilombo com cativeiro

Não tenho para o coração
Somente o ar da montanha
Tenho a planície espinheira
Com mão de sangue e façanha

Não tenho para o ouvido
Somente o rumor do vento
Tenho gemidos e preces
Rompantes e contratempos

 Tenho para minha vida
 A busca como medida
 O encontro como chegada
 E como ponto de partida
Não tenho para o meu olho
Apenas o sol nascente
Tenho a mim mesmo no espelho
De toda a gente

Não tenho para meu nariz
Somente incenso ou aroma
Tenho este mundo matadouro
De peixe, boi, ave e homem

Não tenho para minha boca
Sagrados pães tão somente
Tenho vogais, consoantes
Uma palavra entre dentes

 Tenho para minha vida
 A busca como medida
 O encontro como chegada
 E como ponto de partida
Não tenho para meu braço
Apenas o corpo amado
E assim sendo o descruzo
Na rédea, no remo e no fardo

Não tenho para a minha mão
Somente acenos e palmas
Tenho gatilhos e tambores
Teclados, cordas e calos

Não tenho para meu pé
Somente o rumo traçado
Tenho o improviso no passo
E caminho para todo lado

 Tenho para minha vida
 A busca como medida
 O encontro como chegada
 E como ponto de partida
 
A Grande Arte de Sérgio Ricardo
 
Introdução
O Início e o LP Dançante n. 1
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Sérgio Ricardo, o Piano e o Violão
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Zelão e a "Estética do Morro"
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Sérgio Ricardo e a Bossa Nova
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Canção de Protesto
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Sérgio Ricardo e o Tropicalimo 1
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Sérgio Ricardo e o Tropicalimo 2
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Afastamento da Mídia e o Novo Regionalismo
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Sérgio Ricardo e o Primeiro Disco Independente
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Novos Caminhos
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Retorno à Questão Agrária
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Militância e Circuito Universitário
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Sérgio Ricardo, Cineasta
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O Artista Plástico
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