Como já foi descrito, Sérgio Ricardo tentou incorporar as novas linguagens de consumo a sua obra, da mesma forma como faziam os tropicalistas e seu neo-antropofagismo. Porém, Sérgio Ricardo fazia “a sua maneira”, criticamente e por um viés marxista: o ponto de partida é o conceito de alienação e a articulação dos meios de comunicação em torno dessa alienação. Já os Tropicalistas, partiam do princípio estético da alegoria, da crítica pelo uso dos símbolos da cultura. Esse uso simbólico da comunicação de massa permitiu a rápida incorporação dos Tropicalistas nessa indústria que criticavam. Esse poder de incorporação da indústria cultural vai se tornar uma característica facilmente identificável no decorrer dos anos 70, porém, na época, provavelmente Caetano Veloso e Gilberto Gil acreditavam no poder de sua luta e de suas canções. Já o marxismo não pode ser incorporado à cultura de massas: a teoria marxista não prevê a incorporação ao capitalismo para provocar uma luta interna que desmonte o sistema. O capitalismo já possuí uma contradição interna, que é a luta de classes.
Na dura crítica de José Ramos Tinhorão ao Tropicalismo, ele identifica a consonância da estética Tropicalista com os princípios do “imperialismo”: a política de substituição da indústria e tecnologia nacional pela importação de tecnologia do capital multinacional. Nesse ponto Caetano Veloso estaria para a música brasileira como Roberto Campos para a economia. Apesar dessa afirmação bombástica do polêmico crítico e historiador, a história só vem confirmando essa tendência: Caetano Veloso e Roberto Campos acabaram por se unirem no apoio a globalização do atual presidente Fernando Henrique. A abertura da cultura nacional à outra “internacionalizada ou universalizada” foi o asfaltamento para o atual caminho da globalização.
Quanto a inventividade poética, que marcou o Tropicalismo, também foi experimentada por Sérgio Ricardo, porém de forma mais acanhada: Sérgio Ricardo (como Paulinho da Viola, autor da mais sofisticada canção popular: Sinal Fechado) não ultrapassa a barreira da tradição poética da música popular. Apesar de ambos conhecerem a poesia concreta (nota 81) não chegaram a romper com a tradição romântica que impregnou toda a história do samba. Veja-se a canção Conversação de Paz:
Ana, ana, ONU
Está me dando sono
Acorda olha o dono
O dono do sono
O dono do abandono
O dono do esporte clube das nações
O dono do ar que eu respiro
Respiro para te amar...
Acorda...
Hoje vai ter retransmissão
Há um satélite artificial
Para a paz,
A paz
Pela televisão
É porque Hiroshima não foi por querer
conversação, conversação,
conversação de paz
E Viatnam não sei quantos milhões
conversação, conversação,
conversação de paz
África, África Africomo vai ficar
conversação, conversação,
conversação de paz
E o oriente, Biafra etcétara e tal
conversação, conversação,
conversação de paz
Eis que de repente um pega prá capar
conversação, conversação,
conversação de paz
Dedos preparados prá apertar o botão
conversação, conversação,
conversação de paz
Guerra, guerra, guerra
Está explodindo a guerra
O dono da terra
O dono do toda a guerra
O dono do esporte clube das nações
O dono do ar que eu respiro
Respiro para te amar...
Acorda...
Hoje vai ter retransmissão
Há um satélite artificial
Para a paz,
A paz
Pela televisão
Blá-blá-blá-blá
conversação, conversação,
conversação de paz
(Conversação de Paz bem que poderia ser uma irmã de Lunik 90, de Gilberto Gil ou figurar em algum disco de Caetano Veloso ou Tom Zé, no final dos agitados anos 60. O mesmo poderia ser dito da canção Dia da Graça, que mistura samba, valsa, hino e jingle publicitário).
Essa canção adota o procedimento da fragmentação e da colagem, ao mesmo tempo que utiliza clichês da música popular, de forma irônica (a quebra do discurso político pela finalização “...só prá te amar, meu amor”, não só quebra com o discurso romântico da Bossa-Nova, como também com a pretensa seriedade da pregação política. Em termos literários é o que se chama de anti-discursso). Esse tipo de “colagem desacralizadora” foi muito usada pelos tropicalistas, assim como a temática adotada: a inserção do Brasil na economia capitalista mundial e suas representações culturais. A “modernidade” do Tropicalismo, foi uma face dessa discussão, no momento nova: a invenção do terceiro mundo e das nações em desenvolvimento. A economia (e a sociedade) vislumbrava e almejava entrar para o jogo de influências internacional, regido, obviamente, pelos EUA. A famosa frase de Caetano Veloso: “recuso-me a folclorizar meu subdesenvolvimento” é um sintomático desse momento.
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