A Grande Arte de Sérgio Ricardo
Novos Caminhos

 Em 1975 Sérgio Ricardo grava novo trabalho, só que em condições especiais. O produtor Aloysio de Azevedo, diretor do histórico selo Elenco e produtor do lp Um Senhor Talento (1963)dirige uma coleção pelo selo Philips intitulada MPB Espetacular. Um volume seria dedicado a uma coletânea de Sérgio Ricardo, enfocando a Bossa-Nova. Aloysio pede a Sérgio Ricardo que regrave uma nova seleção. Afora a regravação de Zelão e Buquet de Isabel, são registradas algumas canções de A Noite do Espantalho em arranjos novos e mais algumas músicas novas, duas das quais constituem uma continuidade e um avanço na sua produção: Dulce Negra e Cacumbu. Essa última traz novidades: a temática ecológica - provavelmente a primeira canção conscientemente ecológica da música popular; e a estrutura musical: celular, simétrica e repetitiva, lembrando as experiências minimalistas da moderna música norte-americana. A letra, fragmentária como a melodia, formando um mosaico de imagens cinematográficas, irá se assemelhar a experiências similares nas canções de João Bosco e Aldir Blanc.
 

 No mesmo ano Sérgio Ricardo escreve, a pedido de Ziraldo e Sérgio Cabral, a música da peça infantil Flicts, adaptação do famoso livro infantil de Ziraldo. As letras são a exata reprodução do texto original. Para a música, Sérgio Ricardo optou pelo samba ao invés de melodias infantis ao estilo tão popular das cirandas de rodas.

 A partir de meados dos 70 Sérgio Ricardo volta a mergulhar no samba. Nesta época, coerente com seu posicionamento político e suas pesquisas da música popular, o cantor vai morar numa favela no RJ. Sua convivência com os moradores do morro traz o samba de volta a sua música. A escolha do samba para ser guia de Flicts é em razão desse novo mergulho na cultura popular, agora a urbana. Da experiência resultou o excepcional lp Do Lago a Cachoeira, um belo e honesto trabalho, dentro das tradicionais formas do samba e da música popular. Uma das faixas tem uma história curiosa: Durante sua moradia na favela (favela do VIDIGAL), houve um movimento popular de resistência contra a desocupação de uma parte do terreno da favela onde residiam vários moradores, incluindo o próprio Sérgio Ricardo. O movimento foi vitorioso e impediu a desocupação da favela. Sérgio Ricardo compôs, para essa ocasião, a música Vidigal:
 

 Aparentemente é um samba simples. Porém dentro da sua forma tradicional, apresenta um postura política bem diferente da tradição do samba. Compare-se essa postura deliberada de enfrentamento e resistência de classe com essa outra, exposta no samba Saudosa Maloca, de Adoniram Barbosa. O assunto de ambos os sambas é o mesmo: a desocupação e desmonte, por força de lei, de moradias populares. Em Saudosa Maloca população pobre aparece como subserviente, resignada, submissa a vontade do destino (“os homê”); o pobre é incapaz de decidir sobre sua vida e sua vontade; ambas estão na mão de seres superiores (“seu doutor”, “deus”). Nesse samba de Adoniram Barbosa, é reproduzido o imaginário nazi-fascista sobre os pobres: almas puras, ingênuas,imersas numa nostalgia perpétua de um passado idílico ou num futuro justo, vítimas eternas do destino, dependentes de uma força maior, subservientes de uma hierarquia que não entendem mais respeitam (aliás, a obra de Adoniram Barbosa é a reiteração dessa imagem reacionária das classes exploradas).
 

 Não é coincidência ou simples razão mercadológica que faz Adoniram Barbosa ser regravado e continuamente lembrado como a “voz dos pobres”, e Sérgio Ricardo ser jogado no ostracismo da história, apesar de toda sua importância para essa própria história.

 Por outro prisma, podemos acompanhar a trajetória da temática urbana no trabalho se Sérgio Ricardo, ao comparar Vidigal com Zelão. O autor havia abandonado a temática social urbana em 1965, centrando seu trabalho na questão agrária. Se Zelão era um avanço, na época, da visão da música popular sobre a questão social, Vidigal é um avanço maior ainda. Se, em Zelão, o “povo” ainda continuava indefeso frente ao seu destino e só lhe sobrava a lamentação, agora em Vidigal, a população é organizada, combativa e vitoriosa. Novamente Sérgio Ricardo se mostra um artista comprometido com sua época: Vidigal está, para o plano da música, o que as grandes greves dos metalúrgicos estavam para a sociedade de 1979.

A Grande Arte de Sérgio Ricardo
 
<- Introdução
<- O Início e o LP Dançante n. 1
<- Sérgio Ricardo, o Piano e o Violão
<- Zelão e a "Estética do Morro"
<- Sérgio Ricardo e a Bossa Nova
<- Canção de Protesto
<- Sérgio Ricardo e o Tropicalimo 1
<- Sérgio Ricardo e o Tropicalimo 2
<- Afastamento da Mídia e o Novo Regionalismo
<- Sérgio Ricardo e o Primeiro Disco Independente
Novos Caminhos
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