A Grande Arte de Sérgio Ricardo
Retorno à Questão Agrária
 
 Seu último disco gravado, de 1983, e é uma produção independente: A História de João-Joana, onde o autor revive um tema já abandonado pela música popular, porém nunca tão atual como o momento de agora: com o MST despontando como a grande força de esquerda no final dos anos 90, a questão agrária volta ao debate.

 Depois dos anos 60 e 70, a questão agrária desaparece do cenário dos grandes debates e polêmicas nacionais. O final dos 70 e os anos 80 foram os anos da expansão da indústria e das periferias industriais. Acreditava-se que a questão fundiária tinha seus dias contados: a grande massa de camponeses seria absorvida pela industria e o campo se transformaria numa imensa agro-industria, com tecnologia, insumos e muito, muito Xitanzinho e Xororó. A estagnação do crescimento industrial, no final dos 80 e 90 mostrou o que o campo era: o mesmo campo dos anos 60: miséria, injustiça, analfabetismo, violência desmedida e muito, muito latifúndio.

 Como isso aparecia na MPB? No inicio dos anos 60, a questão agrária coloca-se na pauta do dia: Miguel Arraes (governador de Pernambuco) e Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas) são o centro dos debates políticos. Celso Furtado vê a reforma agrária como prioridade do governo João Goulart. Em 1964, Glauber Rocha filma Deus e o Diabo na Terra do Sol, já comentada sua importância. A universidade PUC do RJ, dentro desse espírito, monta a peça Morte e Vida Severina, sobre o famoso poema de João Cabral de Mello Neto. Chico Buarque, então estudante da USP de SP, porém conhecido como jovem e promissor talento, é convidado para musicar alguns poemas. Nesse momento Chico Buarque resolve se profissionalizar como músico.

 Tanto Deus e o Diabo na Terra do Sol e Morte e Vida Severina vão definir o tipo de linguagem usada na música popular quando aborda a questão fundiária. Porém essa linguagem vai se modificar na proporção que essa questão abandona a cena do debate político. Nos anos 70 e 80 a dramaticidade recai sobre o mundo urbano e o operário (como exemplo podemos ouvir Construção ou Linha de Montagem de Chico Buarque). Afastado, o mundo agrário começa a ganhar contornos folclóricos, leves, como se fizesse parte de uma outra realidade, mais pura, mais imprecisa. Essa nova visão pode ser percebida em duas músicas recentes (1988) do próprio Chico Buarque, feitas para o teatro, em parceria com Edu Lobo (lp Dança da Meia Lua): a primeira canção, Permuta dos Anjos, retrata uma procissão, num arranjo em crescendo, onde os fiéis, cansados de rezar para os santos e não vendo melhora em suas vidas, ameaçasse-os com castigos. No caso é a troca das imagens de suas paróquias - uma “crônica” sobre os sertanejos. Na seqüência, o final da procissão é a festa da Igreja, onde os fiéis se entregam ao Frevo Diabo, onde a alegria da música descamba o sofrimento cristão. A crua denúncia social não está mais no horizonte da MPB:
 

Mais uma vez Sérgio Ricardo se mostra sensível ao tecido social: A História de João-Joana se adianta quase em 11 anos, em relação a Chico Buarque, ao retomar a questão fundiária: em 1994 Chico Buarque compõe duas novas canções especialmente para o MST.

A História de João-Joana é um novo disco conceitual, um “cordel sinfônico”. É um longo poema de Carlos Drumond Andrade, construído como se fosse um cordel, inteiramente musicado. A história conta o caso verídico de Joana, nascida mulher mas criada como um homem por sua mãe, que não queria ver a filha passar por todo o sofrimento que marcou sua própria vida. Há aqui uma mudança na abordagem: o mundo cultural do “povo” é também criticado (o machismo e o preconceito sofrido pela mulher). Até então o camponês é visto como puro, porém explorado. A música tem um tratamento sinfônico, e cada sessão mostra um ritmo brasileiro, não se prendendo aos ritmos do nordeste. Sérgio Ricardo não procura fazer média com os meios de comunicação: é uma obra anti-consumo de massa, concebida para ser executada em concerto, para quem quiser e puder ouvi-la. Há duas gratas surpresas neste lp: o piano de Sérgio Ricardo, que há muito não se fazia ouvir em gravações e os arranjos do mitológico Radamés Gnattali, no último trabalho de sua vida.

 A História de João-Joana é o último trabalho gravado de Sérgio Ricardo, porém sua produção continua. Durante os últimos dez anos fez várias participações como cantor, principalmente nos songbooks de Almir Shediak. Atualmente (1998) trabalha como compositor e arranjador da trilha sonora da novela Mandacaru, dentro do estilo instrumental de A História de João-Joana.
 

A Grande Arte de Sérgio Ricardo
 
<- Introdução
<- O Início e o LP Dançante n. 1
<- Sérgio Ricardo, o Piano e o Violão
<- Zelão e a "Estética do Morro"
<- Sérgio Ricardo e a Bossa Nova
<- Canção de Protesto
<- Sérgio Ricardo e o Tropicalimo 1
<- Sérgio Ricardo e o Tropicalimo 2
<- Afastamento da Mídia e o Novo Regionalismo
<- Sérgio Ricardo e o Primeiro Disco Independente
<- Novos Caminhos
Retorno à Questão Agrária
Militância e Circuito Universitário
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Sérgio Ricardo, Cineasta
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O Artista Plástico
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