Depois dos anos 60 e 70, a questão agrária desaparece do cenário dos grandes debates e polêmicas nacionais. O final dos 70 e os anos 80 foram os anos da expansão da indústria e das periferias industriais. Acreditava-se que a questão fundiária tinha seus dias contados: a grande massa de camponeses seria absorvida pela industria e o campo se transformaria numa imensa agro-industria, com tecnologia, insumos e muito, muito Xitanzinho e Xororó. A estagnação do crescimento industrial, no final dos 80 e 90 mostrou o que o campo era: o mesmo campo dos anos 60: miséria, injustiça, analfabetismo, violência desmedida e muito, muito latifúndio.
Como isso aparecia na MPB? No inicio dos anos 60, a questão
agrária coloca-se na pauta do dia: Miguel Arraes (governador de
Pernambuco) e Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas)
são o centro dos debates políticos. Celso Furtado vê
a reforma agrária como prioridade do governo João Goulart.
Em 1964, Glauber Rocha filma Deus e o Diabo na Terra do Sol, já
comentada sua importância. A universidade PUC do RJ, dentro desse
espírito, monta a peça Morte e Vida Severina, sobre
o famoso poema de João Cabral de Mello Neto. Chico Buarque, então
estudante da USP de SP, porém conhecido como jovem e promissor talento,
é convidado para musicar alguns poemas. Nesse momento Chico Buarque
resolve se profissionalizar como músico.
Tanto Deus e o Diabo na Terra do Sol e Morte e Vida
Severina vão definir o tipo de linguagem usada na música
popular quando aborda a questão fundiária. Porém essa
linguagem vai se modificar na proporção que essa questão
abandona a cena do debate político. Nos anos 70 e 80 a dramaticidade
recai sobre o mundo urbano e o operário (como exemplo podemos ouvir
Construção ou Linha de Montagem de Chico Buarque).
Afastado, o mundo agrário começa a ganhar contornos folclóricos,
leves, como se fizesse parte de uma outra realidade, mais pura, mais imprecisa.
Essa nova visão pode ser percebida em duas músicas recentes
(1988) do próprio Chico Buarque, feitas para o teatro, em parceria
com Edu Lobo (lp Dança da Meia Lua): a primeira canção,
Permuta dos Anjos, retrata uma procissão, num arranjo em
crescendo, onde os fiéis, cansados de rezar para os santos e não
vendo melhora em suas vidas, ameaçasse-os com castigos. No caso
é a troca das imagens de suas paróquias - uma “crônica”
sobre os sertanejos. Na seqüência, o final da procissão
é a festa da Igreja, onde os fiéis se entregam ao Frevo Diabo,
onde a alegria da música descamba o sofrimento cristão. A
crua denúncia social não está mais no horizonte da
MPB:
São João de porcelana vai morar
Na matriz da imaculada Conceição
O bom josé desalojado
Pode agora despertar
E acudir seus fiéis, sem terra,
Sem trabalho e pão
Vai a virgem de alabastro Conceição
Na charola para a igreja do Bonfim
A Conceição incomodada
Vai ouvir nossa oração
Nos livrar da seca, da enxurrada
E da estação ruim
Bom Jesus de luz neon sai do Bonfim
Pra capela de São Carlos Borromeu
O bom Jesus contrariado
Deve se lembrar em fim
De mandar o tempo de fartura
Que nos prometeu
Borromeu pedra-sabão vai para o altar
Pertencente à estrela-mãe de Nazaré
A Nazaré vai de jumento
Pro mosteiro de São João
E o Evangelista
Pra basílica de São José
Mas se a vida mesmo assim não melhorar
Os beatos vão largar a boa fé
E as paróquias com seus santos
Todos fora de lugar
Santo que quizer voltar pra casa
Só se for a pé
É bom, é braba, é o frevo
Diabo no corpo, torto, corpo
Pára mais não
Fogo no rabo de qualquer cristão
Solta o frevo diabo e adeus procissão
Pelo sinal da santa cruz padroeira
Não tem romeiras, tem, são morenas
Não tem novenas, diabo, a gente é
feliz
Não tem sermão, tem não,
tem orquestra
E cana, e briga, e fogo, e festa
Na matriz
Mais uma vez Sérgio Ricardo se mostra sensível ao tecido social: A História de João-Joana se adianta quase em 11 anos, em relação a Chico Buarque, ao retomar a questão fundiária: em 1994 Chico Buarque compõe duas novas canções especialmente para o MST.
A História de João-Joana é um novo disco conceitual, um “cordel sinfônico”. É um longo poema de Carlos Drumond Andrade, construído como se fosse um cordel, inteiramente musicado. A história conta o caso verídico de Joana, nascida mulher mas criada como um homem por sua mãe, que não queria ver a filha passar por todo o sofrimento que marcou sua própria vida. Há aqui uma mudança na abordagem: o mundo cultural do “povo” é também criticado (o machismo e o preconceito sofrido pela mulher). Até então o camponês é visto como puro, porém explorado. A música tem um tratamento sinfônico, e cada sessão mostra um ritmo brasileiro, não se prendendo aos ritmos do nordeste. Sérgio Ricardo não procura fazer média com os meios de comunicação: é uma obra anti-consumo de massa, concebida para ser executada em concerto, para quem quiser e puder ouvi-la. Há duas gratas surpresas neste lp: o piano de Sérgio Ricardo, que há muito não se fazia ouvir em gravações e os arranjos do mitológico Radamés Gnattali, no último trabalho de sua vida.
A História de João-Joana é o último
trabalho gravado de Sérgio Ricardo, porém sua produção
continua. Durante os últimos dez anos fez várias participações
como cantor, principalmente nos songbooks de Almir Shediak. Atualmente
(1998) trabalha como compositor e arranjador da trilha sonora da novela
Mandacaru, dentro do estilo instrumental de A História
de João-Joana.
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