Após o impacto de Deus e o Diabo na Terra do Sol, com sua “estética da fome” e o golpe militar de 1964, essa nova geração de músicos e compositores - basicamente nascida da Bossa-Nova - se divide: uma parte vai para o exterior, aproveitar a possibilidade de sucesso, outros vão “politizar” sua música. A “politização” estética da canção popular origina a Canção de Protesto, tendo como referência central Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré, como já foi analisado em outro texto (“Piano e Violão”). Basicamente essa geração eram de estudantes universitários, incluindo o público.
Aqui cabe um parênteses, sobre esse público universitário. É a primeira geração de universitários que o Brasil produz. Até então a universidade permanecia nos moldes da república antiga, fechada para meia dúzia e dirigida a formação da elite. Durante o “desenvolvimentismo” pós-segunda guerra, onde o Brasil entra no processo mundial de transferência de tecnologia, é que se difundem, tanto a universidade e o ensino secundarista, juntamente com a ideologia da educação universal. Tanto é que a geração imediatamente antecessora deslumbrava-se com a possibilidade de se ter filhos “doutores”, até então restrito a filhos de coronéis e afins. A implantação dessa gigantesca estrutura de ensino técnico e profissionais de alta qualificação está associada a produção de um novo proletáriado e um novo parque industrial. É muito difícil compreender o rápido desenvolvimento da música popular sem ter essa referência. Esse projeto de industrialização teve continuidade através do regime militar (exatamente para possibilitar a industrialização por substituição de tecnologia e dependência economica), que também, em certa medida, explica a continuidade da MPB.
Existe uma contradição interna nessa proposta: como fazer uma música politicamente engajada, para o “povo”, se o público era marcadamente estudantil e universitário (num certo sentido, uma elite)? Por um lado o público exigia algo mais sofisticado que cantigas e cocos de roda com mensagens políticas, e por outro, o compositor se via na contingência de manter uma forma estética simples, para poder ser ouvido pelo “camponês” e pelo “proletário”. Sérgio Ricardo foi quem melhor trabalhou esse aspecto, produzindo trabalhos muito bons, tanto musical como poeticamente. Basta ouvir seus dois discos desse período: A Grande Música de Sérgio Ricardo(1967) e Arrebentação (1969), dois trabalhos realmente maravilhosos dos quais não bastam apenas comentar comentar , eles devem necessariamente ser ouvidos. E, paralelamente, Sérgio Ricardo seguia fazendo canções de protesto para os festivais, muito populares na época, como Girassol, Luandandaluar, Aleluia(Che Guevarra não morreu) etc. Porém a memória oficial da MPB, entronou trabalhos bastante inferiores como representantes máximos na Canção de Protesto. Um dos mais populares é Arena canta Zumbi, de Edu Lobo.
Um bom exemplo da música de Sérgio Ricardo desse
período é a canção Vou Renovar, construída
como um repente nordestino. Sua letra apresenta uma clara consciência
de classe, provavelmente única na história da MPB:
Vou renovarComo é possível notar, Sérgio Ricardo trabalha exatamente essa contradição. Comumente o autor fecha seus shows com Vou Renovar, provocando boas risadas com o trocadilho Classe C/Comunista, que em verdade, é a grande questão posta: a politização socialista das classes exploradas, para uma revolução socialista. Sua música, no período, buscava uma espécie de “síntese” dessa contradição. De um lado, incorporava formas e gêneros populares, tanto rurais como urbanos na sua música (samba, batuque, moda de viola, cocôs, repente norderdino, dobrados, baião, frevo etc. em músicas como: Jogo de Dados; Brincadeira de Angola; Zé Bedeu; Eu sou Pobre, Pobre; A praça é do Povo entre outras) ao mesmo tempo que buscava uma apuração maior na mensagem e novos caminhos da linguagem, incorporando procedimentos relacionado as vanguardas. Algo que o Tropicalismo também buscava, porém incorporando a música pop norte-americana, procedimento descartado por Sérgio Ricardo.Sou cantador de classe média
E trago por satisfação
Cantar para o ser humano
Que me ouve com atenção
Do que eu vejo todo dia
Faço verso e melodia
Pra poder ganhar meu pãoCanto para a classe A
Canto para a classe B
Cantoria popular
Que não é nem A nem B
Cuja fonte está no povo
Onde eu vou buscar meu novo
E aprender meu bâ-a-báPor é que fui classificar
Já tá dando uma embolada
Eu me embolei no A com B
Me embolei no B com A
Mas me diga onde está
A classe do A sem B
E a classe do B sem A
Não me diga que ela é C
Porque C é comunista
E vai dar muito na vista
E os homens vão te apanhar
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