Trabalhando na noite, Sérgio Ricardo vai se envolver naturalmente com a música popular, especificamente com a canção. Começa cantando samba-canção e logo começa a compor dentro desse gênero. Sua grande influência e matriz é Dorival Caymmi. Grava dois 78 r.p.m., que se destacam Vai Jangada e Rosa do Mato. Porém o reconhecimento e a definição pela carreira como compositor acontece quando a cantora Maysa, já famosa, ouve e grava Bouquet de Isabel. A Bossa-Nova espalhava-se pela vida musical carioca e Maysa era uma entusiasta da “nova” forma de fazer música daqueles jovens de Ipanema. Sérgio Ricardo vai participar do primeiro time de cantores-compositores-músicos da Bossa-Nova, junto com Tom Jobim, Roberto Menescal, Carlos Lyra e outros. Em 1960 grava A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo, lp que vai conter dois de seus maiores hits: Zelão e Pernas. Pernas é um dos hinos da Bossa-Nova e contém todos os ingredientes desse gênero de música: a ingenuidade tola da realidade do jovem de classe média; o canto doce e homogêneo; o balanço do ritmo misturado com o swing do jazz; o arranjo contido e fundado no trio piano- baixo e bateria. Já Zelão era diferente e muitos não o consideravam Bossa-Nova. Apesar de se inspirar nos sambas de morro e, especificamente, na “estética do morro”, uma forma de samba estilizado por Vinícius de Morais antes da Bossa-Nova, Zelão mostrava algumas características que a iria diferenciar e acabar sendo o ponto de origem da Canção de Protesto.
A “estética do morro” foi muito popularizada pelas músicas de Tom Jobim e Vinícius de Morais para montagens de peças de teatro e musicais. Em verdade a “estética da pobreza” já era uma tradição da cultura ocidental e foi modernizada, num primeiro momento por Bretch e depois pelos norte-americanos. Um exemplo é a ópera Porgy and Bess. Vinícius de Morais trabalhou nesse sentido, incluindo o musical Pobre Menina Rica e Orfeu da Conceição. Porém, a origem da popularização dessa estética adotada por vários compositores, está no sucesso de Zelão, como nota José Ramos Tinhorão, na sua Pequena História da Música popular: “Os compositores bossa-novistas, começaram, a partir do samba Zelão, de Sérgio Ricardo, de fins de 1960, a cantar romanticamente as dores e desditas dos pobres moradores dos morros cariocas”.
O Morro não tem vez
Quando derem vez ao morro
Toda cidade vai cantar
(O morro não tem vez, Tom e Vinícius, 1962)
Tristeza não tem fim
A felicidade sim
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
A felicidade do pobre
Parece a grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Prá fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Prá tudo se acabar na quarta-feira
A felicidade
é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como essa noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Fale baixo por favor
Pra ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor
(A Felicidade, Tom e Vinícius, 1956)
Zelão
Todo morro entendeu
Quando Zelão chorou
Ninguém riu nem brincou
E era carnaval
No fogo de um barracão
Só se cozinha ilusão
Restos que a feira deixou
E ainda é pouco sóMas assim mesmo Zelão
Dizia sempre a sorrir
Que um pobre ajuda outro pobre
Até melhorarChoveu, choveu
A chuva jogou seu barraco no chão
Nem foi possível salvar violão
Que acompanhou morro abaixo a canção
Das coisas todas que a chuva levou
Pedaços tristes do seu coração(Zelão, 1960)
“A felicidade
é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor”
A tristeza, que é a do pobre, através de sublime
imagem poética (“orvalho/pétala/brilha tranqüila/oscila/
lágrima de amor”)se transforma em amor (última palavra da
estrofe). já em Sérgio Ricardo que começa com a idéia
de possível melhoria (“um pobre ajuda outro pobre/até melhorar”)
acaba realisticamente em tragédia, contendo ainda o sarcástico
trocadilho do violão que acompanha, não o samba, mas o barraco
desabado. A forma de descrever a queda mostra a diferença poética
de um e de outro:
“Cai como uma lágrima de amor/ A chuva jogou seu barraco no
chão”.
Esse frio realismo vai ser muito importante na forma de se falar sobre a da sociedade no momento de politização da MPB, após o golpe militar de 1964. Guardando as devidas proporções, poderíamos entender que Zelão estava para a MPB assim como o realismo Italiano estava para o cinema. Musicalmente Zelão diz pouco a Bossa-Nova, pois ainda era uma canção pré-bossa, inclusive na orquestração. Pernas seria uma Bossa-Nova. Porém no “consagrador” show do Carnegie Hall, de Nova York, em 21 de novembro de 1961, Sérgio Ricardo cantou Zelão e Nosso olhar, canções de estrutura samba-canção só que acompanhadas da batida Bossa-Nova.
Nesse lp, A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo,
ainda consta uma curiosidade, a canção Poema Azul.
Sua estrutura melódica e a temática inicial do poema faz
lembrar Eu e a Brisa de Jonny Alf, escrita alguns anos depois.
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