É provável que antes de Sérgio Ricardo se definir pela carreira de músico, sua maior tendência fosse o cinema. Provavelmente se a Bossa-Nova não “estoura-se” como estourou, Sérgio Ricardo teria uma sólida carreira como cineasta.
No início, no final de 50 e início de 60, fazia pontas em filmes da Atlântica e era galão de televisão. Com o sucesso do cinema novo, principalmente Rio Quarenta Graus, de Nelson Pereira dos Santos, animou-o a ir para trás das câmaras e colocar suas idéias em prática. Na favela filma o curta metragem O Menino da Calça Branca, montado por seu ídolo, o mesmo Nelson Pereira dos Santos, que havia se animado com o copião que assistiu. Além do roteiro e da música, Sérgio Ricardo atua, como o “concertador” da favela, que concerta brinquedos e no Natal sai bêbado pela favela, fantasiado de Papai Noel - imagem forte - distribuindo presentes às crianças. O menino, do título, é presenteado com uma calça branca. Seu orgulho pela alvura da calça nova impede-o de participar das brincadeiras com outras crianças, até que numa calçada da cidade, uma bola suja de lama mancha sua calça. Triste e sem outra opção, o menino volta a sua vida de moleque no morro, enquanto uma moradora, solidária, recolhe a calça do menino para ser lavada. Esse curta metragem foi muito premiado, inclusive no exterior, o que quase definiu sua carreira como diretor.
Ele estava nos EUA participando das exibições de O Menino da Calça Branca, quando foi produzido o concerto de Bossa-Nova no Carning Hall. O filme feito na seqüência foi Esse Mundo é Meu, com Antônio Pitanga. Não comento porque não assisti, assim como O Pássaro da Aldeia, feito para a Líbia e não exibido no Brasil. Nem Sérgio Ricardo tem cópia. Um filme praticamente perdido. A informaçào que tenho é que Esse Mundo é Meu é a junção de dois média-metragem.
Em 1969 produz Juliana do Amor Perdido, seu primeiro longa. Narra a história de uma moça que é mantida presa numa vila de pescadores, porque a comunidade acredita ser ela uma santa. Ela foge e conhece um maquinista de trem, de uma linha que passa próxima a aldeia. A história tem seu eixo na linha de trem e nas idas e vindas do trem para a estação, passando na região da aldeia. Os habitantes tentam de toda forma rever sua “santa”, auxiliados por uma espécie de “empresário” da pescaria, um tipo esquisito, estrangeiro, gorducho, que mais se assemelha a um vilão de Scherlock Holmes. No final a moça-santa morre, atropelada pelo trem, porém o gorducho arranja outra menina santa para manter a crendice da vila. Quando assisti ao filme gostei e, realmente, achei superior a média dos filmes brasileiros, com um ou outro vício do cinema nacional, algo afetado, como a relação amorosa do casal, um tanto quanto lúdica.
Sérgio Ricardo é bom na criação de imagens fortes, aqui parcamente descritas, apenas para ilustrar: a moça-santa amarrada no barco, como oferenda; o momento que a moça-santa, estando dentro do trem - que passa por um túnel- tem um ataque de choro começa a chorar , pois nunca havia presenciado a escuridão; o trem destroçando a barricada feita com jangadas colocadas sobre o trilho, na intenção de impedir o trem de partir; a comunidade de pescadores escolhendo o louco como vítima, para ser amarrado nos trilhos, na nova tentativa de parar o trem; o louco amarrado na trilha, de pé, filmado de trás e de cima e a proximidade do trem; o mesmo louco tentando “matar” o trem com um pedaço de pau; por fim, a morte de Juliana, do amor perdido, atropelada pelo trem que não consegue parar; a partida final do triste maquinista; o estranho estrangeiro-gorducho e a cena final: uma menina como nova-santa. Um belo filme, realmente.
Logo após o final dessa produção, Sérgio Ricardo começa a trabalhar num estranho filme: A Noite do Espantalho. Filmado no “maior cenário natural do mundo”, a Nova-Jerusalém, imensa construção feita para encenar a paixão de Jesus (erigida em Fazenda Nova no Agreste de Pernambuco). Sérgio Ricardo contou com a participação da Sociedade Teatral da Fazenda Nova. A temática é o latifúndio e a seca.
Entre os atores principais estão Alceu Valença e Geraldo
Azevedo, que, através do filme, seriam lançados à carreira
profissional:
“Um dia eu cheguei na casa de Sérgio
Ricardo na Urca aí ele olhou para mim e disse: você é
o espantalho. Eu não entendi coisa nemhuma”(...) Sérgio Ricardo
me abriu a cancela para a mídia”, “Foi um despertar para a consciência
de ser artista, de ganhar dinheiro como profissional” (depoimento de Alceu
Valença à Anamélia Maciel).
Muito influenciado pelo realismo fantástico, o cenário mistura imagens futuristas: secretárias fazendo contabilidade em balanças de criança; um estranho monstro, meio jacaré, meio dragão, que vem ao sertão comprar uma fazenda; o estranho personagem central, o Espantalho, meio real, meio fantasia, meio cantor de feira e meio lisérgico; jagunços que andam de moto com asas de moscas e capacetes da primeira guerra; moças e padres que aparecem e desaparecem de portas e janelas; tudo misturado nos estranhíssimos cenários de pedra e arcos romanos, ventiladores e cercas.
O eixo central é a história de Maria do Grotão (Rejane Medeiros) que ama e é disputada por dois homens: Zé Tulão (Gilson Moura) e Zé do Cão (José Pimentel), que são a mesma pessoa. Alceu Valença é o Espantalho e Geraldo Azevedo um sertanejo que sempre aparece montado num jegue. Zé Tulão vem de outras terras em busca de trabalho e acaba por se tornar líder, junto com Geraldo Azevedo, contra a exploração do coronel Fragoso e a desocupação da fazenda para ser vendida a Acauã, Rei dos Porões, o monstro meio-sapo, meio-jacaré.
Porém a inovação desse filme é o uso da música, espinha dorsal do filme e o que alinhava toda a história, como um musical ou uma ópera. Grande parte dos diálogos são musicados e as cenas principais são explicadas pelas canções. (Leia entrevista de Sérgio Ricardo dada ao jornal opinião)
A Noite do Espantalho estreou no cinema Astor do Recife em 26/8/74. Recebeu o prêmio de melhor filme do I Festival do Cinema Brasileiro de Belém; participou do 120 Festival anual do Filme em NY e da Quinzena dos Realizadores em Cannes, onde foi exibido cinco vezes, a pedido do público; prêmio de melhor filme e melhor trilha sonora no Festival Internacional de Cinema Jovem de Toulon - França.
Após essa produção Sérgio Ricardo nunca mais fez um longa, não por falta de vontade. Porém fez vários documentários - daqueles que passavam obrigatoriamente no cinema antes do filme, e que todo mundo vaiava. Sobre circo, Ferreira Gullar, sobre dança (que contava com desenhos de Ziraldo), sobre Kubstcheck.
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